14 de novembro de 2012

Inside - Capítulo Um



*Quatro anos depois*

Estou exausta, completamente exausta. Levantei-me sem dar tempo ao despertador de tocar, 5h:37min, para ser mais exacta. Já não me recordo da última vez que dormi direito, cansa estar constantemente a acordar com pesadelos. Devo ter acordado, pelo menos, quatro vezes durante a noite.
- Mariana? – chamou o Professor Jorge – Mariana, está a ouvir ?
- Hã? – murmurei.
Levantei a cabeça do tampo da secretária e tentei pôr-me direita. Olhei em volta, para ver se alguém tivera reparado. A maior parte da turma parecia ignorar-me, excepto Miguel Lopes. Ele estava naquela escola à cerca de um mês, pelo que era o único aluno mais recente que eu. E, naquela semana, era a terceira vez que o apanhava a olhar descaradamente, como se isso fosse normal, lá do sitio de onde ele vem.
- Peço desculpa por perturbar o seu vagueio mental. – disse o professor, enquanto pigarreava, para se fazer ouvir.
- Não faz mal.
- Talvez queira ir apanhar um pouco de ar, menina Mariana, para eu não ter de interromper mais a aula para a chamar à atenção.
- Não voltará a acontecer. – Insisti – eu estou atenta.
- Mariana, já.
Pronto, fui posta na rua, pela quinta vez este mês, o que leva a uma participação disciplinar, com direito a chamar o encarregado de educação, boa, ainda tinha bónus. A minha tia não ia gostar nada disto, já ia ter de a ouvir.
Faltavam dez minutos para o intervalo, fui à casa de banho, andava bastante enjoada, à já algum tempo que não conseguia manter nada no estômago. Lavei a boca e peguei no meu telemóvel para mandar uma mensagem ao Diogo. Era segunda-feira, já tinha fumado tudo no fim-de-semana, e estava a precisar urgentemente de algo que me aliviasse a cabeça e, aquilo ajudava bastante. 
O Diogo veio ter comigo e vendeu o que me pareceu pouco de mais, mas é o ultimo que compro. Não tenho dinheiro para mais, e parece-me que estou a exagerar com isto, também.
Faltei à última aula. Quando cheguei a casa o meu irmão ainda não tinha chegado, menos mal, era bom ter algum tempo para mim, sem ninguém a melgar-me a cabeça. O meu pai só chega à noite, quando eu já estou a dormir, são raras as vezes que o vejo durante a semana. É uma relação complicada, a nossa. Às vezes, tenho a sensação que a minha tia se preocupa mais comigo do que ele.
Eu não vivo com a minha mãe, pelo que sei, ela deixou-me ao cuidado do meu pai, no dia em que nasci, e desapareceu, nunca mais entrou em contacto connosco, ás vezes penso que gostava de a ter conhecido, até já pensei em procura-la, mas falta-me o meio, e a vontade. Sinceramente, não tenho paciência para andar atrás de alguém que nunca quis saber de mim, talvez seja por isso que eu não sou ligada a ninguém, desde cedo que tive de aprender a não esperar muito dos outros, e a desenrascar-me sozinha.
Decidira ler Vai aonde te leva o coração, da Susanna Tamaro, mais uma vez apenas pelo gozo, e era isso que estava a fazer quando Carolina chegou a casa. Tinha perdido a noção do tempo e precipitei-me para o andar de baixo a fim de retirar as batatas do forno.
- Mariana?
“quem mais havia de ser?” pensei.
- Olá tia. Como correu o trabalho?
- Bem obrigada.
Pendurou o casaco e descalçou as botas demasiado caras, compradas numa loja demasiado requintada para eu ser capaz de lá entrar. Tanto quanto eu sabia, Carolina trabalhava num escritório de advogados, não era um trabalho muito formal, mas exigia um certo cuidado, motivo pelo qual ela andava sempre bem vestida e arranjada.
- O que é o jantar? – perguntou ela, de forma cautelosa.
Eu sou uma cozinheira um pouco inovadora e imaginativa, no entanto, na maior parte das vezes, a minha arte na cozinha, resulta em coisas não comestíveis. É bom saber que ela sabe este meu dote.
-Bife com batatas. – respondi.
Pareceu ficar aliviada.
Pareceu ficar um pouco constrangida por estar ali especada na cozinha, a ver-me fazer o jantar. Isto porque é bastante raro nós termos algo para falar, a não ser as coisas comuns, como a escola e a família.
- Quanto tempo falta ? Achas que dá tempo para ir tomar banho ? – disse, calmamente.
- huum, não sei, daqui por dez minutos está pronto.
- Está bem. Cheira bem querida.
- Obrigada.
Carolina arrastou-se pesadamente para o sofá da sala e ligou a televisão. Confesso que aquele barulhinho constante que a televisão faz me estava a fazer falta. Eu não gosto do silêncio, isso é uma das muitas características peculiares que eu tenho. O silêncio faz-me pensar, faz-me recordar, eu não gosto disso.
Jantamos em silêncio por alguns minutos, até que, momentaneamente, este foi interrompido pela Carolina.
- Como correram as aulas? Fizeste amigos novos?
- Correram bem, já não me olham como a rapariga nova. Mas continuo a achá-los todos demasiados estranhos.
- Oh querida, esforça-te por os conhecer melhor, tens dezoito anos, precisas de amigos. E, os que fizeres agora, provavelmente irão ficar para a vida.
- Não preciso de pessoas a cuscar a minha vida.
- Não vale mesmo a pena discutir contigo por causa disto, outra vez, pois não? Quando é que vais deixar de ser tão casmurra?
- Quando vieste viver connosco já sabias que eu era assim.
- Só estou preocupada contigo.
Não houve mais conversa. No fim de jantar deixei-a a arrumar a cozinha e subi para o meu quarto. A maior parte do meu dia era passado lá, a ouvir musica, ou a ler.
Quando peguei no telemóvel não tinha nenhuma notificação. Desde que me mudara que ninguém da minha antiga escola se preocupara em dizer-me alguma coisa, começo a achar que eles simplesmente não querem saber, ainda diz a minha tia que é para a vida.

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